Jusnaturalismo, Escola Histórica do Direito,
Escola da Exegese, Positivismo Jurídico, Direito Alternativo, Realismo Jurídico
e Pós-positivismo. Mudam as escolas, sucedem-se as correntes de pensamento e
alternam-se os discursos: De Aristóteles à Ulpiano, de Kant à Kelsen, de Savgny
à Holmes, de Bobbio à trilogia Alexy/Habermas/Dworkin, seja quem for, seja
quando for, lá está ela:
A ideia de canalização do Direito dentro de um
paradígma: “Não à Codificação do Direito!”, ou “O Direito é Puro!” ou ainda,
“Princípio é norma!”.
É assim que os doutos artífices da lei tentam, ao
longo de décadas e séculos, resolver a problemática sujeição do Direito ao
mundo (ou seria do mundo ao Direito?). Se Ulpiano diz que “a Justiça é a eterna vontade de dar a cada um o que é seu”, todos
se perguntam então o que seria de cada um mas que ainda não lhe foi dado. Se
alguem propõe que existe um “Direito” que antecede à sociedade, vêm os alemães
e dizem que o Direito se confunde com o
Estado, e que não ha Direito fora do Estado e nem Estado fora do Direito.
Toda essa retórica, caracterizada pelo padrão
hermético de métodos, meios, princípios e postulados, não conseguiu ir além de
um triunfo efêmero e pontual, não cumprindo sequer com a meta primária de seus
idealizadores de ultrapassar as fronteiras da dúvida, da insegurança científica
e da controvérsia. Foi-se o Jusnaturalismo, foi-se o Normativismo e apelaram
ate para o Realismo Jurídico (o Direito dos juízes), sem, contudo, enxergarem
além do muro da imperfeição. As teses criaram Escolas, as escolas criaram
paradígmas de mundo: liberalismo, Totalitarismo e “Wellfaire State”.
Agora é a vez do Estado democrático de Direito.
Durante todo esse processo histórico de construção social uma pergunta
subsistia: o que era o Direito?
Sistema? Ciência? Método Ciêntífico? Ciência
Autônoma ou Ciência Acessória?
Ao passo que essas indagações sobreviviam ao
esforço filosófico dos jurisconsultos, uma atmosfera nebulosa teimava em
circundar a atividade jurídica: Basta-nos o positivismo? Existe mesmo um
pós-positivismo? Há espaço para a escolha?
Temeroso de que o Sistema Jurídico caducasse
frente ao dilema de sua cientificidade ou se perdesse face à esquecida
instrumentalidade da processualística, do rito e do código, o mundo apressou-se
em acolher uma nova e (em tese) perene ideologia, a ideologia vitoriosa do
Século XX: a CONSTITUCIONALIZAÇÃO DEMOCRÁTICA!
O outrora desvalorizado Direito Constitucional
saltava agora por sobre a plataforma jurídica construída pelo ortodoxo
normativismo. A Comunidade Forense via erigir, diante de seus olhos, um
fenômeno avassalador e implacável, caracterizado pela “passagem da Constituição para o centro do Sistema Jurídico”
(Barroso, 2009). Uma passagem repentina? Um fenômeno ocasional? Obviamente que
não…
Essa transição ideológica, caracterizada por uma
alteração no epicentro do ordenamento jurídico, é, sobretudo, o resultado de
uma revisão dogmática incurso no mundo do pós-guerra. Nas palavras do mestre
Luiz Roberto Barroso, a Constitucionalização do Direito (filtragem
constitucional) é “a leitura de todo
ordenamento infraconstitucional à luz da Constituição, que passa a funcionar
como uma lente, um filtro através do qual DEVE-SE ler e interpretar as
categorias e os institutos de todos os ramos do Direito. Nesse ambiente, toda
interpretação jurídica passa a ser (direta ou indiretamente) uma intepretação
constitucional. Ao aplicar uma norma ordinária, o interprete sempre realizará, incidentalmente,
uma operação de controle de constitucionalidade, na medida em que o sentido e o
alcance de TODO mandamento deverá ser fixado à luz dos valores e princípios
constitucionais. Ou seja, toda interpretação jurídica será, necessariamente,
uma interpretação constitucional”.
Sinteticamente, poder-se-ia afirmar que o
constitucionalismo democrático é a janela que dá ao operador do direito o real
alcance de sua visão hermenêutica. A supremacia da Constituição desloca do ordenamento Jurídico a antiga
ótica dualista entre Direito Público e Direito Privado, que nutria relevante
valor à portaria, ao regulamento ou ao aviso ministerial: nunca à
Constituição.
Vista se dê, ao exemplo alegórico fixado por Sua Excelência
Carmem Lúcia, nas palavras de Barroso: Reza-nos a ilustre magístere, que nos
áureos tempos acadêmicos, quando trafegava pelas ruas da capital mineira, um
malfeitor terí-a-a abordado no semáforo, subtraindo-lhe um livro que estava
sobre o banco do carona. Quebrantada pelo “nefasto” evento, e ao perceber que o
livro subtraído era na verdade um “exemplar da Carta de 88” teria ela emitido o
seguinte “desabafo”:
- “Já se furtam Constituições!!!”
(Fato que só poderia ser superado, em profusão,
se Kelsen assumisse que existe normatividade para além da regra escrita, ou que
a “Constituição” é mais importante que uma portaria).
Nessa perspectiva, é que se reconhece, de plano,
(e por mérito do pós-positivismo) a normatividade dos princípios. Hoje, it’s
impossible (Dworkin), negar normatividade à Constituição, que, em verdade,
extrapola o limite da simples fixação política dos poderes do Estado. Com
efeito, essa nova estrutura teórica concebida pela Jurisdição Constitucional e
o “Bloco de constitucionalidade”, constitui o emprego mais que teleológico da
técnica interpretativa.
A Jurisdição Constitucional assinala, por outro
lado, a judicialização das relações sociais (compreendida dentro de uma “visão
turvo-processual” como efeito colateral àquela normatividade), o que não
minimiza, a fortiori, o giro
filosófico-pragmático construído em sede da constitucionalização.
O âmbito do fenômeno em tela, vale dizer, se
ocupa de verdadeira “ressocialização” da técnica jurídica, na medida em que a
irradiação dos valores constitucionais (policies) por todo o sistema jurídico,
alcança as normas do outrora soberano direito penal, do direito administrativo,
do direito civil e etc., modificando-lhes o sentido e o alcance, gerando o
chamado Bloco de Constitucionalidade. A ida da Constituição à aludida seara
jurídica, grifemos, é o “up-grade” desse fenômeno.
Lê-se agora, o instituto Família, dentro do
Código Civil, não mais em alusão à tradicionalista e demodê visão privatística, mas sim em atenção à sua
concepção valorativa com supedâneo constitucional. Lê-se hoje, a vedação ao
nepotismo, “apenas” em atenção à normatividade do princípio da moralidade, pois
o “núcleo daquele princípio”, diz o STF, por sí só, dispensa a regra expressa e
afasta, naquele caso específico, o estrito legalismo e a necessidade de existência
de lei ordinária proibitiva do nepotismo.
E Mais: Hoje, está-se diante do seguinte pedido:
É interpretação conforme, obrigar uma mulher com diagnóstico de gravidez
anencefálica, levar adiante uma celebração
da morte? (Barroso, 2009).
Pode a regra penal exigir um tal sacrifício à
dignidade da pessoa humana? (Barroso, 2009).
É possível exigir de uma mulher ou de um casal em
face da gestação anencefálica, submeter-se a todas as transformações corporais,
fisiológicas e sociais da gravidez, quando se sabe da inviabilidade da
gestação, a pretexto de se preservar a regra penal? Nesse feito, não se pede para declarar a inconstitucionalidade
(ou não recepção) da regra que criminaliza o aborto, o que se pede é que, no “leading
case”, suspenda-se (ou se relativize), pontualmente, a regra penal em atenção à dignidade da
pessoa humana. (Barroso, 2009).
Para os cultores do Direito Penal Absoluto (a
Escola do Dominus Mundi), o “locupletado”
professor Luiz R. Barroso ainda nos brinda com o seguinte caso:
“Encenou-se em dada ocasião, na cidade do Rio de
Janeiro, a peça “Tristão e Isolda”, ocasião em que por razões de atraso da
montagem, (a apresentação encerrou-se próximo às três da manhã), a peça foi
estrepitosamente vaiada", conta Barroso. O Diretor da peça, insatisfeito com a
manifestação do público, subiu ao palco e em sinal de repúdio, baixou as calças
e virou as nádegas para a plateia. Um promotor de justiça, que se encontrava
entre os espectadores, denunciou o “sem-calça”, incurso nas penas de ato
obsceno. A ação penal (no nosso psicodélico modelo recursal) chegou ate o
Supremo, que trancou o libelo, entendendo que para aquelas circunstâncias de
local, público e horário, não era razoável, diante da ponderação do direito de
manifestação e expressão de ambas as partes, subsistir a figura penal do
Ato Obsceno”.
Essa é a nova face do Direito. Um Direito que admite
normatividade para além da regra escrita, e com capacidade de suspensão pontual
de toda legislação infraconstitucional, aí consideradas, em relação à
plenitude dos Direitos Fundamentais.
Com efeito, e à propósito da dobradinha Paulo
Bonavides/Eros Grau, fica a lição, à título de axioma, dessa REVOLUÇÃO
JURÍDICA:
“Ontem os Códigos, Hoje a Constituição. A
Revanche da Grécia sobre Roma”