“É muito melhor se arriscar por coisas grandiosas, alcançar triunfo e glória, mesmo expondo-se à derrota, do que formar fila com os pobres de espírito, que não gozam muito e nem sofrem muito, porque vivem na penumbra cinzenta que não conhece nem vitória nem derrota.”

Theodore Roosevelt

sábado, 9 de março de 2013

A República das Mulheres


A Liberdade Guiando os Povos (Delacroix - Óleo sobreTela)

Kafka, o monumental escritor tcheco, em episódio narrado em sua magistral Carta ao Pai, de 1919, descreve o episódio que se segue:

"Uma noite eu choramingava sem parar pedindo água, com certeza não de sede, mas provavelmente em parte para aborrecer, em parte para me distrair. Depois que algumas ameaças severas não haviam adiantado, você me tirou da cama, me levou para a varanda e me deixou ali sozinho, por um momento, de camisola de dormir, diante da porta fechada.

Não quero dizer que isso não estava certo, talvez então não fosse realmente possível conseguir o sossego noturno de outra maneira; mas quero caracterizar com isso seus recursos educativos e os efeitos que eles tiveram sobre mim. Sem dúvida, a partir daquele momento eu me tornei obediente, mas fiquei internamente lesado. Segundo a minha índole, nunca pude relacionar direito a naturalidade daquele ato inconseqüente de pedir água, com o terror extraordinário de ser arrastado para fora. Anos depois eu ainda sofria com a torturante ideia de que o homem gigantesco, meu pai, a última instância, podia vir quase sem motivo me tirar da cama à noite para me levar à varanda, e que, portanto, eu era para ele um nada dessa espécie".

Naturalmente, o poeta do absurdo, em magistério literário poucas vezes igualado em intensidade e profusão, nos indica, como o faz de forma recorrente na sua biografia, a tortuosa relação de pai e filho que o tolheu não só da convivência paterna fraternal, como da própria existência plena.

Franz Kafka, como de costume, é notadamente enigmático. Neste trecho, entretanto, deixa claro o terror inexorável de uma figura dominadora que se vale da relação hierárquica ascendente para implodir a personalidade do seu filho. "Internamente lesado", a criança se resigna à penumbra cinzenta da atmosfera de imprevisibilidade que o pai lhe impõe.

A Figura paterna, tanto em Kafka quanto na realidade palpável, não raras vezes, mesmo quando suplantada por outros desmandos "naturais" (femininos, inclusive), aparece para exercer uma coação de poder ou assédio de força despudoradamente injusto, desnecessário e covarde, muitas vezes vinculado a outros ramos das relações sociais. Seja na família, seja na órbita global (em Comunidade, Sociedade ou Estado), é sempre possível notar o cano de uma arma cuidadosamente alinhado contra nosso peito.

A Imperatividade das Instituições (Família, Polícia, Igreja, Cargos, Títulos, Estado e etc.), sempre serviu ao propósito de esconder, debaixo de panos de fundo, o rosto dessa covardia, ora sob o dever inafastável de educar o filho, ora sob o dever de obedecer à autoridade.

Dilma Roussef, presidente do Brasil, provou essa tese mais uma vez. "Do alto" do posto presidencial, em ato comemorativo do dia internacional das mulheres, e aludindo à violência doméstica, sentenciou aos homens:

“...Se vocês agem assim por falta de respeito ou por falta de temor, não esqueçam jamais que a maior autoridade deste país é uma mulher, uma mulher que não tem medo de enfrentar os injustos nem a injustiça, esteja onde estiverem”

Sinceramente, não entendi o recado. Se o presidente da República (que pra mim é, antes de qualquer gênero sexual, uma Instituição), se dá ao luxo de indicar que a pessoa, o gênero, e, desse modo, o interesse pessoal precede a Instituição, não haverá mais limites para a espoliação e assenhoreamento da República.

De fato, assim como Hermann Kafka, o pai intimidador do "menino" Franz, Dilma veio a público para retirar de sua cama cada homem desse país, atirando-os na varanda, no terror da noite. Ela, claro, e toda "opinião pública", dirão que o "tiro" foi disparado contra os malfeitores, que a arma está apontada para os "injustos". Mas quem, de fato, pode declarar o que é justo ou injusto nesse país? Um país que mata seus policiais, professores, juízes, médicos e garis antes mesmo que eles cheguem a sonhar com qualquer profissão porque morrem "de bala perdida", dengue ou outra mazela da idade média! Isto é justo?

Se ela acredita que governar um país é ameaçar seus compatriotas com fundamento em predileções pessoais e arroubos feministas pouco afetos à impessoalidade republicana e que não guardam NENHUMA relação e "parentesco" com a estatura do cargo de presidente da república, deveria renunciar a ele.

Depois desse tipo de declaração, sinto-me legitimado a indagar: Alguem já parou pra analisar a ascensão meteórica que as mulheres tiveram no Governo?  Qual o preço disso tudo? 

Espero, sinceramente, que o "casuísmo" não seja a mola desse processo...

Ministras, Secretárias, Chefes disso, Diretoras daquilo e etc. Será que a pretexto de se reestabelecer um equilíbrio, recrutando para o centro do poder aquelas que o suposto processo de preconceito masculino deixou pra trás, pode ser conduzido às expensas de quem não tem nada a ver com isto? Digo, pela mesma via do erro que originou a marginalização? Na minha concepção, a intentona da digníssima presidente, equivaleria ao exercício hipotético de imaginação no qual, por exemplo, o (esse sim) ilustradíssimo Presidente do Supremo Tribunal Federal e "chefe-maior" do Judiciário brasileiro, por ser negro, iniciasse um processo de recrutamento de juízes tambem negros para ocupar vagas na magistratura nacional.

Ora, chega de fazer justiça a qualquer preço. Eu não vou pagar a conta da Política, da Religião nem da História. Porque não fui eu quem negou o direito de voto à mulher, não fui eu quem a estigmatizou nem fui eu quem a encerrou num processo longínquo de marginalização (queira Deus será superado).

Se a "nossa" Presidente entende que este é o caminho, tudo bem. Se ela acredita que apontar uma arma ideológica contra os homens é a maneira correta de percorrê-lo, que assim o faça. Só não terá minha resignação irrefletida, nem meu silêncio. 

Na verdade, é tudo como nos ensina Aristóteles:

 "A Grandeza não consiste em receber honras, mas sim em merecê-las". E Mais, vai dizer o filósofo grego:

"A pior forma de desigualdade é tentar fazer iguais duas coisas absolutamente diferentes"

De toda sorte, PARABÉNS às mulheres, que, malgrado suportem penoso fardo histórico, nos encantam por sua graça, e pelo mérito, não por seus títulos!

quarta-feira, 6 de março de 2013

CHAVES E A DEMOCRACIA


Hugo Chaves

Escrevi, em ocasião anterior, que a morte, muitas vezes, é a libertação de certas pessoas da danação absoluta. 

Explico: Não raras vezes, a morte libera, tanto no homem comum quanto na crítica nacional, o sentimento de consternação e piedade raramente dispensado a alguém no curso de sua existência. Seja por clemência mundana, mero bom senso ou discutível regra de etiqueta social, a morte tem essa facilidade intrínseca de abonar, aos olhos dos homens, os pecados da existência. 

Foi assim com Brizola, por exemplo, que passou de politico senil e ostracizado em vida à condição de paladino da democracia e dos direitos políticos depois de sua morte. Foi assim com Enéias Carneiro, do Prona, que passou de "o lunático" da bomba atômica em vida à condição de coluna moral da esquerda brasileira após a morte. Em vida, segundo a crítica, nenhum deles era digno de nota, ou como queiram, de voto. 

Os exemplos são diversos, numerosos, e, sem dúvida, iconográficos.
  
O Caso de Hugo Chaves, falecido nesta terça-feira, 4 de Março, é relativamente parecido.
  
Chaves, o Tirano e eloqüente "ditador" da Venezuela, era comumente relacionado ao processo retrógrado de retorno ao caudilhismo na América Latina, processo caracterizado pela centralização do poder político nas mãos de um líder carismático e pela não alternância de governo. Em suma, era estilizado como um retrocesso democrático.


Hoje, um dia após a sua morte, diante da comoção nacional venezuelana, a crítica internacional e a chamada "opinião pública", na sanha de vender notícia e de firmar consensos, já inicia o processo de "adocicação" literária em relação à Hugo Chaves. Pura conveniência.

Na verdade, o processo que "elegeu" Hugo Chaves como homem forte da Venezuela, assim como outros acontecimentos de igual calibre, notadamente marcados pela centralização do poder político em um líder popular, constituem um fenômeno moderno que intriga a Ciência Política, justamente, pela controvérsia acerca de um padrão justo e ideal de democracia.

O padrão  ocidental de democracia comumente aceito é diametralmente oposto ao governo caracterizado pela concentração de poder nas mão de um só homem, partido ou bloco político. Vale dizer, é justamente o contrário disso, pois se constitui na pluralidade da participação política e na alternância de poder. 

Mas, a eventual fuga a esta realidade idealizada, é, necessariamente, um retrocesso, um ato antidemocrático?

Temo, ou melhor, acredito clara e jubilosamente que não.

A Democracia, tal qual a conhecemos e internalizamos, surgiu na Grécia em longínquas e remotas circunstâncias, onde, vale dizer, a participação política, célula-máter do sistema democrático, era justamente a efetiva participação direta e individual de cada cidadão. A Ágora, praça pública onde se debatia os negócios de Estado, era aberta ao cidadão e sediava todo o processo de deliberação, votação e medidas políticas do gênero. É justamente a Ágora, o protótipo que modelou o que modernamente se conhece por  assembleia nos dias de hoje.

Implica ponderar, há, de fato, participação política nos dias de hoje?

É possível dizer que vivemos em um sistema democrático?

Esse sistema, tal qual se coloca nos presentes dias, absorve nossa demanda por participação e influencia nos negócios do Estado?

Ora, se, como se sabe, o tradicional conceito e modelo "de governo" que inspirou a Democracia, fundado na participação DIRETA do cidadão, tem se revelado insuficiente para atender estas demandas modernas, (que nenhuma "Ágora" é capaz de suportar), não é possível, a partir dele, atirar a pedra contra Chaves e os novos modelos de governo.

A Hipocrisia dos pseudodemocratas, elegendo os "bichos-papões" da era moderna, deve ser vista com cautela. Se, por um lado, o conceito e a aplicabilidade da democracia está a merecer maior reflexão da comunidade político-acadêmica, é necessário também fixar parâmetros de desalienação das instituições políticas, desmistificando a teoria de que a única forma de triunfar sobre o despotismo e a tirania é a simples concessão de mandatos políticos a representantes cuja procuração em nada os obriga, efetivamente, a servir ao seu representado.

A Idolatria do povo venezuelano a Hugo Chaves, é um alerta desse fenômeno. Por que razão um líder político, dito tirânico chefe do poder, é aclamado e louvado em praça pública?

Será que o povo venezuelano, a despeito da sana de libertação democrática que os nossos vizinhos do Norte e sua patota europeia teimam em empreender contra Árabes, Africanos e Asiáticos ortodoxos, e contra qualquer povo que busque se auto governar, estaria, de fato, na contramão da legítima democracia?

Temo que a Ágora venezuelana esteja mais próxima da Democracia dos gregos que qualquer teatro político encenado ocidente afora.

Terribilis est locus ist!