“É muito melhor se arriscar por coisas grandiosas, alcançar triunfo e glória, mesmo expondo-se à derrota, do que formar fila com os pobres de espírito, que não gozam muito e nem sofrem muito, porque vivem na penumbra cinzenta que não conhece nem vitória nem derrota.”

Theodore Roosevelt

sábado, 25 de maio de 2013

A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO: “ONTEM OS CÓDIGOS, HOJE A CONSTITUIÇÃO”!!!



















 
EPÍGRAFE: A postagem que se segue é oriunda de publicação realizada no ano de 2009, em domínio cibernético que antecedeu este blog. No mérito: É fruto de uma reflexão construída pelo blog, em face da “obra” do Professor Luiz R. Barroso e sua repercussão extramurus ao Direito Constitucional.  A nomeação, diga-se de passagem, muita justa,  de Sua Excelência para o Pretório Excelso, motivou a republicação do texto. Barroso, humanista do calibre do Min. Celso de Mello, fará muito bem ao "espírito constitucional" do STF.


Jusnaturalismo, Escola Histórica do Direito, Escola da Exegese, Positivismo Jurídico, Direito Alternativo, Realismo Jurídico e Pós-positivismo. Mudam as escolas, sucedem-se as correntes de pensamento e alternam-se os discursos: De Aristóteles à Ulpiano, de Kant à Kelsen, de Savgny à Holmes, de Bobbio à trilogia Alexy/Habermas/Dworkin, seja quem for, seja quando for, lá está ela: 

A ideia de canalização do Direito dentro de um paradígma: “Não à Codificação do Direito!”, ou “O Direito é Puro!” ou ainda, “Princípio é norma!”. 

É assim que os doutos artífices da lei tentam, ao longo de décadas e séculos, resolver a problemática sujeição do Direito ao mundo (ou seria do mundo ao Direito?). Se Ulpiano diz que “a Justiça é a eterna vontade de dar a cada um o que é seu”, todos se perguntam então o que seria de cada um mas que ainda não lhe foi dado. Se alguem propõe que existe um “Direito” que antecede à sociedade, vêm os alemães e dizem que o Direito se confunde com o Estado, e que não ha Direito fora do Estado e nem Estado fora do Direito

Toda essa retórica, caracterizada pelo padrão hermético de métodos, meios, princípios e postulados, não conseguiu ir além de um triunfo efêmero e pontual, não cumprindo sequer com a meta primária de seus idealizadores de ultrapassar as fronteiras da dúvida, da insegurança científica e da controvérsia. Foi-se o Jusnaturalismo, foi-se o Normativismo e apelaram ate para o Realismo Jurídico (o Direito dos juízes), sem, contudo, enxergarem além do muro da imperfeição. As teses criaram Escolas, as escolas criaram paradígmas de mundo: liberalismo, Totalitarismo e “Wellfaire State”.

Agora é a vez do Estado democrático de Direito. Durante todo esse processo histórico de construção social uma pergunta subsistia: o que era o Direito? 

Sistema? Ciência? Método Ciêntífico? Ciência Autônoma ou Ciência Acessória?

Ao passo que essas indagações sobreviviam ao esforço filosófico dos jurisconsultos, uma atmosfera nebulosa teimava em circundar a atividade jurídica: Basta-nos o positivismo? Existe mesmo um pós-positivismo? Há espaço para a escolha? 

Temeroso de que o Sistema Jurídico caducasse frente ao dilema de sua cientificidade ou se perdesse face à esquecida instrumentalidade da processualística, do rito e do código, o mundo apressou-se em acolher uma nova e (em tese) perene ideologia, a ideologia vitoriosa do Século XX: a CONSTITUCIONALIZAÇÃO DEMOCRÁTICA! 

O outrora desvalorizado Direito Constitucional saltava agora por sobre a plataforma jurídica construída pelo ortodoxo normativismo. A Comunidade Forense via erigir, diante de seus olhos, um fenômeno avassalador e implacável, caracterizado pela “passagem da Constituição para o centro do Sistema Jurídico” (Barroso, 2009). Uma passagem repentina? Um fenômeno ocasional? Obviamente que não…

Essa transição ideológica, caracterizada por uma alteração no epicentro do ordenamento jurídico, é, sobretudo, o resultado de uma revisão dogmática incurso no mundo do pós-guerra. Nas palavras do mestre Luiz Roberto Barroso, a Constitucionalização do Direito (filtragem constitucional) é “a leitura de todo ordenamento infraconstitucional à luz da Constituição, que passa a funcionar como uma lente, um filtro através do qual DEVE-SE ler e interpretar as categorias e os institutos de todos os ramos do Direito. Nesse ambiente, toda interpretação jurídica passa a ser (direta ou indiretamente) uma intepretação constitucional. Ao aplicar uma norma ordinária, o interprete sempre realizará, incidentalmente, uma operação de controle de constitucionalidade, na medida em que o sentido e o alcance de TODO mandamento deverá ser fixado à luz dos valores e princípios constitucionais. Ou seja, toda interpretação jurídica será, necessariamente, uma interpretação constitucional”.
Sinteticamente, poder-se-ia afirmar que o constitucionalismo democrático é a janela que dá ao operador do direito o real alcance de sua visão hermenêutica. A supremacia da Constituição desloca do ordenamento Jurídico a antiga ótica dualista entre Direito Público e Direito Privado, que nutria relevante valor à portaria, ao regulamento ou ao aviso ministerial: nunca à Constituição. 

Vista se dê, ao exemplo alegórico fixado por Sua Excelência Carmem Lúcia, nas palavras de Barroso: Reza-nos a ilustre magístere, que nos áureos tempos acadêmicos, quando trafegava pelas ruas da capital mineira, um malfeitor terí-a-a abordado no semáforo, subtraindo-lhe um livro que estava sobre o banco do carona. Quebrantada pelo “nefasto” evento, e ao perceber que o livro subtraído era na verdade um “exemplar da Carta de 88” teria ela emitido o seguinte “desabafo”: 

- “Já se furtam Constituições!!!” 

(Fato que só poderia ser superado, em profusão, se Kelsen assumisse que existe normatividade para além da regra escrita, ou que a “Constituição” é mais importante que uma portaria).

Nessa perspectiva, é que se reconhece, de plano, (e por mérito do pós-positivismo) a normatividade dos princípios. Hoje, it’s impossible (Dworkin), negar normatividade à Constituição, que, em verdade, extrapola o limite da simples fixação política dos poderes do Estado. Com efeito, essa nova estrutura teórica concebida pela Jurisdição Constitucional e o “Bloco de constitucionalidade”, constitui o emprego mais que teleológico da técnica interpretativa.

A Jurisdição Constitucional assinala, por outro lado, a judicialização das relações sociais (compreendida dentro de uma “visão turvo-processual” como efeito colateral àquela normatividade), o que não minimiza, a fortiori, o giro filosófico-pragmático construído em sede da constitucionalização.

O âmbito do fenômeno em tela, vale dizer, se ocupa de verdadeira “ressocialização” da técnica jurídica, na medida em que a irradiação dos valores constitucionais (policies) por todo o sistema jurídico, alcança as normas do outrora soberano direito penal, do direito administrativo, do direito civil e etc., modificando-lhes o sentido e o alcance, gerando o chamado Bloco de Constitucionalidade. A ida da Constituição à aludida seara jurídica, grifemos, é o “up-grade” desse fenômeno.

Lê-se agora, o instituto Família, dentro do Código Civil, não mais em alusão à tradicionalista e demodê visão privatística, mas sim em atenção à sua concepção valorativa com supedâneo constitucional. Lê-se hoje, a vedação ao nepotismo, “apenas” em atenção à normatividade do princípio da moralidade, pois o “núcleo daquele princípio”, diz o STF, por sí só, dispensa a regra expressa e afasta, naquele caso específico, o estrito legalismo e a necessidade de existência de lei ordinária proibitiva do nepotismo.

E Mais: Hoje, está-se diante do seguinte pedido: É interpretação conforme, obrigar uma mulher com diagnóstico de gravidez anencefálica, levar adiante uma celebração da morte? (Barroso, 2009).
Pode a regra penal exigir um tal sacrifício à dignidade da pessoa humana? (Barroso, 2009).

É possível exigir de uma mulher ou de um casal em face da gestação anencefálica, submeter-se a todas as transformações corporais, fisiológicas e sociais da gravidez, quando se sabe da inviabilidade da gestação, a pretexto de se preservar a regra penal? Nesse feito, não se pede para declarar a inconstitucionalidade (ou não recepção) da regra que criminaliza o aborto, o que se pede é que, no “leading case”, suspenda-se (ou se relativize), pontualmente, a regra penal em atenção à dignidade da pessoa humana. (Barroso, 2009).

Para os cultores do Direito Penal Absoluto (a Escola do Dominus Mundi), o “locupletado” professor Luiz R. Barroso ainda nos brinda com o seguinte caso:


“Encenou-se em dada ocasião, na cidade do Rio de Janeiro, a peça “Tristão e Isolda”, ocasião em que por razões de atraso da montagem, (a apresentação encerrou-se próximo às três da manhã), a peça foi estrepitosamente vaiada", conta Barroso. O Diretor da peça, insatisfeito com a manifestação do público, subiu ao palco e em sinal de repúdio, baixou as calças e virou as nádegas para a plateia. Um promotor de justiça, que se encontrava entre os espectadores, denunciou o “sem-calça”, incurso nas penas de ato obsceno. A ação penal (no nosso psicodélico modelo recursal) chegou ate o Supremo, que trancou o libelo, entendendo que para aquelas circunstâncias de local, público e horário, não era razoável, diante da ponderação do direito de manifestação e expressão de ambas as partes, subsistir a figura penal do Ato Obsceno”.

Essa é a nova face do Direito. Um Direito que admite normatividade para além da regra escrita, e com capacidade de suspensão pontual de toda legislação infraconstitucional, aí consideradas, em relação à plenitude dos Direitos Fundamentais.

Com efeito, e à propósito da dobradinha Paulo Bonavides/Eros Grau, fica a lição, à título de axioma, dessa REVOLUÇÃO JURÍDICA:

“Ontem os Códigos, Hoje a Constituição. A Revanche da Grécia sobre Roma”