EPÍGRAFE: A postagem que se segue é oriunda de publicação realizada no ano de 2009, em domínio cibernético que antecedeu este blog. No mérito: É fruto de uma reflexão construída pelo blog, em face
da “obra” do Professor Luiz R. Barroso e sua repercussão extramurus ao Direito Constitucional. A nomeação, diga-se de passagem, muita justa, de Sua Excelência para o Pretório Excelso, motivou a republicação do texto. Barroso, humanista do calibre do Min. Celso de Mello, fará muito bem ao "espírito constitucional" do STF.
Jusnaturalismo, Escola Histórica do Direito,
Escola da Exegese, Positivismo Jurídico, Direito Alternativo, Realismo Jurídico
e Pós-positivismo. Mudam as escolas, sucedem-se as correntes de pensamento e
alternam-se os discursos: De Aristóteles à Ulpiano, de Kant à Kelsen, de Savgny
à Holmes, de Bobbio à trilogia Alexy/Habermas/Dworkin, seja quem for, seja
quando for, lá está ela:
A ideia de canalização do Direito dentro de um
paradígma: “Não à Codificação do Direito!”, ou “O Direito é Puro!” ou ainda,
“Princípio é norma!”.
É assim que os doutos artífices da lei tentam, ao
longo de décadas e séculos, resolver a problemática sujeição do Direito ao
mundo (ou seria do mundo ao Direito?). Se Ulpiano diz que “a Justiça é a eterna vontade de dar a cada um o que é seu”, todos
se perguntam então o que seria de cada um mas que ainda não lhe foi dado. Se
alguem propõe que existe um “Direito” que antecede à sociedade, vêm os alemães
e dizem que o Direito se confunde com o
Estado, e que não ha Direito fora do Estado e nem Estado fora do Direito.
Toda essa retórica, caracterizada pelo padrão
hermético de métodos, meios, princípios e postulados, não conseguiu ir além de
um triunfo efêmero e pontual, não cumprindo sequer com a meta primária de seus
idealizadores de ultrapassar as fronteiras da dúvida, da insegurança científica
e da controvérsia. Foi-se o Jusnaturalismo, foi-se o Normativismo e apelaram
ate para o Realismo Jurídico (o Direito dos juízes), sem, contudo, enxergarem
além do muro da imperfeição. As teses criaram Escolas, as escolas criaram
paradígmas de mundo: liberalismo, Totalitarismo e “Wellfaire State”.
Agora é a vez do Estado democrático de Direito.
Durante todo esse processo histórico de construção social uma pergunta
subsistia: o que era o Direito?
Sistema? Ciência? Método Ciêntífico? Ciência
Autônoma ou Ciência Acessória?
Ao passo que essas indagações sobreviviam ao
esforço filosófico dos jurisconsultos, uma atmosfera nebulosa teimava em
circundar a atividade jurídica: Basta-nos o positivismo? Existe mesmo um
pós-positivismo? Há espaço para a escolha?
Temeroso de que o Sistema Jurídico caducasse
frente ao dilema de sua cientificidade ou se perdesse face à esquecida
instrumentalidade da processualística, do rito e do código, o mundo apressou-se
em acolher uma nova e (em tese) perene ideologia, a ideologia vitoriosa do
Século XX: a CONSTITUCIONALIZAÇÃO DEMOCRÁTICA!
O outrora desvalorizado Direito Constitucional
saltava agora por sobre a plataforma jurídica construída pelo ortodoxo
normativismo. A Comunidade Forense via erigir, diante de seus olhos, um
fenômeno avassalador e implacável, caracterizado pela “passagem da Constituição para o centro do Sistema Jurídico”
(Barroso, 2009). Uma passagem repentina? Um fenômeno ocasional? Obviamente que
não…
Essa transição ideológica, caracterizada por uma
alteração no epicentro do ordenamento jurídico, é, sobretudo, o resultado de
uma revisão dogmática incurso no mundo do pós-guerra. Nas palavras do mestre
Luiz Roberto Barroso, a Constitucionalização do Direito (filtragem
constitucional) é “a leitura de todo
ordenamento infraconstitucional à luz da Constituição, que passa a funcionar
como uma lente, um filtro através do qual DEVE-SE ler e interpretar as
categorias e os institutos de todos os ramos do Direito. Nesse ambiente, toda
interpretação jurídica passa a ser (direta ou indiretamente) uma intepretação
constitucional. Ao aplicar uma norma ordinária, o interprete sempre realizará, incidentalmente,
uma operação de controle de constitucionalidade, na medida em que o sentido e o
alcance de TODO mandamento deverá ser fixado à luz dos valores e princípios
constitucionais. Ou seja, toda interpretação jurídica será, necessariamente,
uma interpretação constitucional”.
Sinteticamente, poder-se-ia afirmar que o
constitucionalismo democrático é a janela que dá ao operador do direito o real
alcance de sua visão hermenêutica. A supremacia da Constituição desloca do ordenamento Jurídico a antiga
ótica dualista entre Direito Público e Direito Privado, que nutria relevante
valor à portaria, ao regulamento ou ao aviso ministerial: nunca à
Constituição.
Vista se dê, ao exemplo alegórico fixado por Sua Excelência
Carmem Lúcia, nas palavras de Barroso: Reza-nos a ilustre magístere, que nos
áureos tempos acadêmicos, quando trafegava pelas ruas da capital mineira, um
malfeitor terí-a-a abordado no semáforo, subtraindo-lhe um livro que estava
sobre o banco do carona. Quebrantada pelo “nefasto” evento, e ao perceber que o
livro subtraído era na verdade um “exemplar da Carta de 88” teria ela emitido o
seguinte “desabafo”:
- “Já se furtam Constituições!!!”
(Fato que só poderia ser superado, em profusão,
se Kelsen assumisse que existe normatividade para além da regra escrita, ou que
a “Constituição” é mais importante que uma portaria).
Nessa perspectiva, é que se reconhece, de plano,
(e por mérito do pós-positivismo) a normatividade dos princípios. Hoje, it’s
impossible (Dworkin), negar normatividade à Constituição, que, em verdade,
extrapola o limite da simples fixação política dos poderes do Estado. Com
efeito, essa nova estrutura teórica concebida pela Jurisdição Constitucional e
o “Bloco de constitucionalidade”, constitui o emprego mais que teleológico da
técnica interpretativa.
A Jurisdição Constitucional assinala, por outro
lado, a judicialização das relações sociais (compreendida dentro de uma “visão
turvo-processual” como efeito colateral àquela normatividade), o que não
minimiza, a fortiori, o giro
filosófico-pragmático construído em sede da constitucionalização.
O âmbito do fenômeno em tela, vale dizer, se
ocupa de verdadeira “ressocialização” da técnica jurídica, na medida em que a
irradiação dos valores constitucionais (policies) por todo o sistema jurídico,
alcança as normas do outrora soberano direito penal, do direito administrativo,
do direito civil e etc., modificando-lhes o sentido e o alcance, gerando o
chamado Bloco de Constitucionalidade. A ida da Constituição à aludida seara
jurídica, grifemos, é o “up-grade” desse fenômeno.
Lê-se agora, o instituto Família, dentro do
Código Civil, não mais em alusão à tradicionalista e demodê visão privatística, mas sim em atenção à sua
concepção valorativa com supedâneo constitucional. Lê-se hoje, a vedação ao
nepotismo, “apenas” em atenção à normatividade do princípio da moralidade, pois
o “núcleo daquele princípio”, diz o STF, por sí só, dispensa a regra expressa e
afasta, naquele caso específico, o estrito legalismo e a necessidade de existência
de lei ordinária proibitiva do nepotismo.
E Mais: Hoje, está-se diante do seguinte pedido:
É interpretação conforme, obrigar uma mulher com diagnóstico de gravidez
anencefálica, levar adiante uma celebração
da morte? (Barroso, 2009).
Pode a regra penal exigir um tal sacrifício à
dignidade da pessoa humana? (Barroso, 2009).
É possível exigir de uma mulher ou de um casal em
face da gestação anencefálica, submeter-se a todas as transformações corporais,
fisiológicas e sociais da gravidez, quando se sabe da inviabilidade da
gestação, a pretexto de se preservar a regra penal? Nesse feito, não se pede para declarar a inconstitucionalidade
(ou não recepção) da regra que criminaliza o aborto, o que se pede é que, no “leading
case”, suspenda-se (ou se relativize), pontualmente, a regra penal em atenção à dignidade da
pessoa humana. (Barroso, 2009).
Para os cultores do Direito Penal Absoluto (a
Escola do Dominus Mundi), o “locupletado”
professor Luiz R. Barroso ainda nos brinda com o seguinte caso:
“Encenou-se em dada ocasião, na cidade do Rio de
Janeiro, a peça “Tristão e Isolda”, ocasião em que por razões de atraso da
montagem, (a apresentação encerrou-se próximo às três da manhã), a peça foi
estrepitosamente vaiada", conta Barroso. O Diretor da peça, insatisfeito com a
manifestação do público, subiu ao palco e em sinal de repúdio, baixou as calças
e virou as nádegas para a plateia. Um promotor de justiça, que se encontrava
entre os espectadores, denunciou o “sem-calça”, incurso nas penas de ato
obsceno. A ação penal (no nosso psicodélico modelo recursal) chegou ate o
Supremo, que trancou o libelo, entendendo que para aquelas circunstâncias de
local, público e horário, não era razoável, diante da ponderação do direito de
manifestação e expressão de ambas as partes, subsistir a figura penal do
Ato Obsceno”.
Essa é a nova face do Direito. Um Direito que admite
normatividade para além da regra escrita, e com capacidade de suspensão pontual
de toda legislação infraconstitucional, aí consideradas, em relação à
plenitude dos Direitos Fundamentais.
Com efeito, e à propósito da dobradinha Paulo
Bonavides/Eros Grau, fica a lição, à título de axioma, dessa REVOLUÇÃO
JURÍDICA:
“Ontem os Códigos, Hoje a Constituição. A
Revanche da Grécia sobre Roma”