Hugo Chaves |
Escrevi, em ocasião anterior, que a morte, muitas
vezes, é a libertação de certas pessoas da danação absoluta.
Explico: Não raras vezes, a morte libera, tanto
no homem comum quanto na crítica nacional, o sentimento de consternação e
piedade raramente dispensado a alguém no curso de sua existência. Seja por
clemência mundana, mero bom senso ou discutível regra de etiqueta social, a
morte tem essa facilidade intrínseca de abonar, aos olhos dos homens, os
pecados da existência.
Foi assim com Brizola, por exemplo, que passou de
politico senil e ostracizado em vida à condição de paladino da democracia e dos
direitos políticos depois de sua morte. Foi assim com Enéias Carneiro, do
Prona, que passou de "o lunático" da bomba atômica em vida à condição
de coluna moral da esquerda brasileira após a morte. Em vida, segundo a
crítica, nenhum deles era digno de nota, ou como queiram, de voto.
Os exemplos são diversos, numerosos, e, sem
dúvida, iconográficos.
O Caso de Hugo Chaves, falecido nesta
terça-feira, 4 de Março, é relativamente parecido.
Chaves, o Tirano e eloqüente "ditador"
da Venezuela, era comumente relacionado ao processo retrógrado de retorno ao
caudilhismo na América Latina, processo caracterizado pela centralização do
poder político nas mãos de um líder carismático e pela não alternância de governo. Em suma, era estilizado como
um retrocesso democrático.
Hoje, um dia após a sua morte, diante da comoção
nacional venezuelana, a crítica internacional e a chamada "opinião
pública", na sanha de vender notícia e de firmar consensos, já inicia o
processo de "adocicação" literária em relação à Hugo Chaves. Pura
conveniência.
Na verdade, o processo que "elegeu"
Hugo Chaves como homem forte da Venezuela, assim como outros acontecimentos de
igual calibre, notadamente marcados pela centralização do poder político em um
líder popular, constituem um fenômeno moderno que intriga a Ciência Política,
justamente, pela controvérsia acerca de um padrão justo e ideal de democracia.
O padrão ocidental de democracia comumente aceito é diametralmente
oposto ao governo caracterizado pela concentração de poder nas mão de um só homem,
partido ou bloco político. Vale dizer, é justamente o contrário disso, pois se
constitui na pluralidade da participação política e na alternância de
poder.
Mas, a eventual fuga a esta realidade idealizada, é, necessariamente, um
retrocesso, um ato antidemocrático?
Temo, ou melhor, acredito clara e jubilosamente que não.
A Democracia, tal qual a conhecemos e internalizamos, surgiu na Grécia em
longínquas e remotas circunstâncias, onde, vale dizer, a participação política,
célula-máter do sistema democrático, era justamente a efetiva participação
direta e individual de cada cidadão. A Ágora, praça pública onde se debatia os
negócios de Estado, era aberta ao cidadão e sediava todo o processo de
deliberação, votação e medidas políticas do gênero. É justamente a Ágora, o
protótipo que modelou o que modernamente se conhece por assembleia nos dias
de hoje.
Implica ponderar, há, de fato, participação política nos dias de hoje?
É possível dizer que vivemos em um sistema democrático?
Esse sistema, tal qual se coloca nos presentes dias, absorve nossa demanda
por participação e influencia nos negócios do Estado?
Ora, se, como se sabe, o tradicional conceito e modelo "de governo" que inspirou a Democracia,
fundado na participação DIRETA do cidadão, tem se revelado insuficiente para
atender estas demandas modernas, (que nenhuma "Ágora" é capaz de
suportar), não é possível, a partir dele, atirar a pedra contra Chaves e os
novos modelos de governo.
A Hipocrisia dos pseudodemocratas, elegendo os "bichos-papões" da
era moderna, deve ser vista com cautela. Se, por um lado, o conceito e a
aplicabilidade da democracia está a merecer maior reflexão da comunidade
político-acadêmica, é necessário também fixar parâmetros de desalienação das
instituições políticas, desmistificando a teoria de que a única forma de
triunfar sobre o despotismo e a tirania é a simples concessão de mandatos
políticos a representantes cuja procuração em nada os obriga, efetivamente, a
servir ao seu representado.
A Idolatria do povo venezuelano a Hugo Chaves, é um alerta desse fenômeno.
Por que razão um líder político, dito tirânico chefe do poder, é aclamado e
louvado em praça pública?
Será que o povo venezuelano, a despeito da sana de libertação democrática
que os nossos vizinhos do Norte e sua patota europeia teimam em empreender
contra Árabes, Africanos e Asiáticos ortodoxos, e contra qualquer povo que
busque se auto governar, estaria, de fato, na contramão da legítima democracia?
Temo que a Ágora venezuelana esteja mais próxima da Democracia dos gregos que qualquer teatro político encenado ocidente afora.
Terribilis est locus ist!
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